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5 Mar 2024
Acórdão do Tribunal de Justiça no processo C-66/22, Infraestruturas de Portugal e Futrifer Indústrias Ferroviárias

Em 21 de dezembro de 2023, o Tribunal de Justiça proferiu o seu acórdão no processo Infraestruturas de Portugal e Futrifer Indústrias Ferroviárias (C-66/22). Este teve origem num pedido de reenvio prejudicial do Supremo Tribunal Administrativo e tem por objeto a interpretação do artigo 57.º, n.º 4, primeiro parágrafo, alínea d), da Diretiva 2014/24/UE relativa aos contratos públicos e o artigo 80.º, n.º 1, da Diretiva 2014/25.

Em causa neste processo está a legalidade da decisão de adjudicação de um contrato público a um concorrente que foi condenado pela Autoridade da Concorrência no pagamento de uma coima por violação das regras de direito da concorrência no âmbito de procedimentos de contratação pública anteriores. Ora, segundo a legislação portuguesa de transposição da Diretiva 2014/24, a autoridade adjudicante está vinculada pela apreciação levada a cabo pela Autoridade da Concorrência quanto à fiabilidade do concorrente, independentemente de essa apreciação ter conduzido, ou não, a uma sanção acessória de proibição temporária de participação em procedimentos de contratação pública (parágrafo 36).

No seu acórdão, o Tribunal de Justiça analisou a questão de saber se os Estados-membros podem limitar a exclusão de infratores ao direito da concorrência da participação em concursos para contratos públicos aos casos em que a autoridade nacional da concorrência tenha previamente imposto essa exclusão como sanção acessória e deu alguns esclarecimentos importantes sobre os motivos facultativos de exclusão (motivos que permitem às autoridades excluir os operadores económicos que se tenham revelado pouco fiáveis) e, consequentemente sobre o alcance do poder de apreciação que a referida Diretiva confere às autoridades adjudicantes.

 

A exclusão de operadores económicos por comportamentos anticoncorrenciais

Em conformidade com a sua abordagem tradicional, baseada na análise do texto, do contexto e do objetivo da norma em causa, o Tribunal de Justiça começou por esclarecer que, contrariamente ao que fora decidido em alguns acórdãos anteriores, os Estados-membros têm a obrigação de transpor para o seu direito nacional o artigo 57.º, n.º 4, primeiro parágrafo, da Diretiva, que prevê que as autoridades adjudicantes podem excluir ou podem ser solicitadas pelos Estados-membros a excluir um operador económico da participação num procedimento público de contratação em certas situações (parágrafos 50 a 55 e 58).

O acórdão (adotado em Grande Secção) representa, pois, uma inversão explícita da jurisprudência anterior segundo a qual os Estados-membros podiam decidir transpor ou não os motivos facultativos de exclusão (parágrafo 49).

Neste contexto, os pontos fulcrais do acórdão encontram-se no parágrafo 55, segundo o qual “o legislador da União entendeu atribuir à autoridade adjudicante, e apenas a esta, na fase da seleção dos proponentes, a tarefa de apreciar se um candidato ou um proponente deve ser excluído de um procedimento de contratação pública”, e no parágrafo 57, que esclarece que “o legislador da União pretendeu assegurar‑se de que as autoridades adjudicantes dispõem, em todos os Estados‑Membros, da possibilidade de excluir os operadores económicos que considerem ser pouco fiáveis”.

Segundo o Tribunal de Justiça, de forma a transpor adequadamente a norma em causa, os Estados-membros podem escolher uma das seguintes opções: ou impõem às entidades adjudicantes que apliquem os referidos motivos de exclusão, ou permitem que sejam estas a decidir se os aplicam ou não (parágrafo 58).

Fica, assim, salvaguardada a obrigatoriedade de os Estados-membros procederem, em todos os casos, à transposição das disposições de uma diretiva, como decorre do artigo 288.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.

O tribunal de reenvio questionou ainda o Tribunal de Justiça sobre se, à luz do artigo 57.º, n.º 4, primeiro parágrafo, alínea d), da Diretiva 2014/24, o direito português podia prever que os fortes indícios de comportamentos anticoncorrenciais suscetíveis de levar à exclusão do concorrente deveriam necessariamente ocorrer no âmbito do procedimento concursal em curso (parágrafo 65).

Em resposta, o Tribunal de Justiça considerou que a letra do artigo 57.º, n.º 4, não limita a aplicação desta causa de exclusão ao processo de adjudicação no âmbito do qual se verificou o comportamento anticoncorrencial (parágrafo 67). Pelo contrário, a integridade e a fiabilidade de cada um dos operadores económicos que participam em determinado procedimento de contratação pública devem poder ser questionadas não apenas por razões ligadas ao respetivo comportamento no âmbito do procedimento pendente, mas também com base na participação dos operadores em procedimentos anteriores (parágrafo 69).

 

O papel da autoridade adjudicante na tomada de decisões de exclusão de operadores económicos e a obrigação de fundamentação

Finalmente, o Tribunal de Justiça confirmou que cabe exclusivamente à autoridade adjudicante a tarefa de apreciar se um operador económico deve ser excluído de um procedimento de contratação pública, através da verificação da integridade e da fiabilidade de cada um dos operadores económicos que participam nesse procedimento (parágrafo 75), estando, contudo, essa autoridade obrigada a observar o princípio da proporcionalidade, que lhe impõe que proceda a uma apreciação concreta e individualizada da atitude dos operadores em causa (parágrafo 77).

Por último, o Tribunal de Justiça debruçou-se sobre a obrigatoriedade de fundamentação da decisão da autoridade adjudicante relativa à fiabilidade de um operador económico, concluindo que essa autoridade deve respeitar o princípio geral do direito da União relativo a uma boa administração, o qual inclui o dever de fundamentação das suas decisões (parágrafos 87 e 88). Este dever de fundamentação existe mesmo que a decisão seja de não excluir (por exemplo, pelo facto de a exclusão constituir uma medida desproporcionada), uma vez que tal decisão de não exclusão, apesar de ser aplicável um motivo facultativo de exclusão, afeta a situação jurídica de todos os outros operadores económicos que participam no procedimento de contratação pública em causa (parágrafo 90).

 

Conclusão

Com este acórdão, o Tribunal de Justiça veio clarificar as obrigações dos Estados-membros no que diz respeito à transposição de motivos facultativos de exclusão, reforçando ainda o poder de livre apreciação, amplo e autónomo, das autoridades adjudicantes para excluir operadores que tenham tido, no passado, um comportamento anticoncorrencial. O contraponto do poder das autoridades adjudicantes é, necessariamente, o dever de fundamentação das suas decisões.

Para os operadores económicos que participem em procedimentos de contratação pública, esta decisão reforça a necessidade de observância escrupulosa de regras de concorrência em qualquer contexto, sob pena de exclusão. A aposta em programas robustos de compliance poderá contribuir para a mitigação de riscos a este propósito.

Acórdão do Tribunal de Justiça no processo C-66/22, Infraestruturas de Portugal e Futrifer Indústrias Ferroviárias

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