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31 Mar 2020
COVID-19. Afinal, o que faz a União Europeia nesta hora de necessidade dos europeus (2)? A economia e os "coronabonds"

Na nossa anterior newsletter salientámos algumas das medidas de coordenação adotadas pela União Europeia (UE) no plano da saúde. Mas atrás do terrível problema de saúde pública causado pelo COVID-19 emerge já um outro, que muitos temem cause um dano sem precedentes na economia e no tecido social dos países europeus. Com a atividade económica reduzida, quase parada, a ameaça de uma recessão de enormes proporções é, hoje, quase uma certeza.

Também nesse plano a UE está a agir. Como explicámos na nossa newsletter número 3, uma parte das políticas que estão em causa nesta crise – no domínio da saúde, do trabalho, da educação – são sobretudo de competência das autoridades nacionais e a cooperação europeia, no que lhes diz respeito, é eminentemente intergovernamental, quer dizer, baseia-se no consenso entre os Estados-membros. Já o mesmo não sucede, necessariamente, em matérias económicas, tão importantes, mesmo decisivas, quando se avizinham (na verdade já cá estão) tempos muito difíceis para os países e as economias europeias.

Muito se tem dito sobre o que a Europa não tem feito. A falta de solidariedade de alguns países para com aqueles que mais sofrem com a pandemia, em infetados, em mortos, em rutura social, atingiu o auge, simbólico mas também material, no Conselho Europeu de 26 de março. Tudo girou à volta dos “eurobonds”, um instrumento de política económica há muito discutido no seio da zona euro, exigência dos países mais afetados pela crise de 2008 do subprime e, mais tarde, das dívidas soberanas. Na altura essa solução foi rejeitada por alguns países europeus.

Os “eurobonds” ressurgiram agora, na sequência da pandemia COVID-19 e das suas consequências económicas, sob a forma específica de “coronabonds” (“obrigações corona”). Não sendo a mesma coisa, os princípios e as questões fundamentais que suscitam são semelhantes aos das crises anteriores. Nas últimas semanas, com o crescimento da crise e sobretudo a consciencialização (que demorou) das suas consequências para o funcionamento das sociedades europeias, foi crescendo a exigência da mutualização da dívida no plano europeu, isto é, de alguma forma de “eurobonds”.

No referido Conselho Europeu, que levou à troca de palavras entre António Costa e o ministro holandês das Finanças, a criação de “coronabonds” foi rejeitada (pelo menos adiada), criando a ideia de que a Europa está ausente nesta crise e em risco de dissolução.

Ora, se é verdade que sem solidariedade a União dificilmente faz sentido, muito já fizeram as instituições europeias no plano europeu. Propomo-nos fazer a apresentação das medidas tomadas e das que estão em estudo. Mas antes, uma breve análise dos (agora) célebres “coronabonds”.

“Eurobonds”, “coronabonds” ou dívida mutualizada?
Na verdade, a terminologia pouco importa. Os “eurobonds” foram projetados, há dez anos, como uma forma de apoio mais ou menos permanente à economia europeia e aos países em maiores dificuldades. Por sua vez, os “coronabonds” acudiriam aos problemas conjunturais resultantes da crise provocada pela pandemia, que afeta todos de forma semelhante (mas não idêntica).

Nove países defenderam no Conselho Europeu os “coronabonds”, ou mutualização das dívidas europeias: Bélgica, Espanha, França, Grécia, Irlanda, Itália, Portugal, Luxemburgo e Eslovénia. Os sete primeiros são os maiores devedores da UE. A eles se associou, na Cimeira europeia, o Chipre, também com uma elevada dívida pública. Opuseram-se-lhes, em particular, Alemanha, Holanda, Finlândia e Áustria, todos credores líquidos dentro da UE, com dívidas públicas muito baixas.

Mas o que são e para que servem os “coronabonds “? Trata-se de permitir que todos os países da zona euro possam obter financiamento através da emissão de obrigações pela zona uro, beneficiando os mais endividados de melhores condições do que as que obteriam em caso de emissões próprias, já que as garantias do conjunto da zona euro são necessariamente mais favoráveis e atraentes para o mercado. Claro que a eventual criação dos “coronabonds” a sua utilização representa dívida que os Estados que a contraiam deverão pagar; beneficiando de melhores condições, não deixam de aumentar a dívida e de ter de a pagar.

Dizem os opositores dos “eurobonds” que eles levarão ao crescimento dos seus spreads, por aumento do prémio de risco associado à compra de obrigações emitidas em conjunto com países com spreads mais elevados. Existe até o risco, referem, da perda do rating triplo A (AAA) de que beneficiam as suas emissões. E acusam os países devedores de não terem reformado devidamente as respetivas economias, permitindo-lhes agora a capacidade e a margem de manobra suficiente para resistiram às consequências da pandemia COVID-19.

A questão é política e de expectativas frustradas; mas sendo-o, é também o futuro da integração europeia que está em causa neste processo. Nunca é de mais repetir que a União só pode sobreviver com base numa verdadeira solidariedade. E a sua sobrevivência não é só do interesse dos países devedores, ou do sul, é de todos os países e cidadãos europeus, já que todos beneficiam do mercado interno, da liberdade de circulação, da harmonização fiscal e de uma moeda única relevante no sistema financeiro internacional. Já para não falar, claro, da paz e da liberdade democrática.

Face aos argumentos dos dois lados, e depois da polémica se ter tornado um assunto de interesse mundial (não é um exagero), será difícil que os 15 dias dados ao Eurogrupo permitam, num passe de mágica, tirar da cartola os famosos “coronabonds”. Não haverá portanto esperança?

O que a União Europeia já fez
Olhemos então para algumas das soluções concretas, já anunciadas ou passíveis de serem efetivadas.

Referimo-nos desde logo ao financiamento monetário dos défices nacionais por parte do BCE, afinal uma forma de mutualização, senão da partilha das responsabilidades financeiras, pelo menos das condições de acesso aos mercados.

O mesmo se pode dizer do Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE), criado há anos no âmbito do chamado Pacto de Estabilidade para assegurar a estabilidade financeira da zona euro; tendo sido proposta a sua utilização na reunião do Eurogrupo que teve lugar antes do Conselho Europeu, é, sem dúvida, uma via importante para reforçar o apoio – e logo a solidariedade – europeia. Ajudas de 2% do PIB, valor aventado no referido Eurogrupo, são obviamente insuficientes, e deverão ser aumentadas, mas o mais importante é os juros serem razoáveis e o acesso garantido e fácil, sem exigências (contrapartidas) penalizadoras dos Estados, obrigados a um esforço (e endividamento) suplementar. O MEE financia-se no mercado em boas condições – esta é afinal uma forma de mutualizar a dívida.

De referir ainda o Banco Europeu de Investimentos (BEI), que disponibilizou já 40 mil milhões de euros para lutar contra os efeitos económicos da pandemia, metade dos quais para uso imediato, como regimes de garantias aos bancos com base nos programas existentes, bem como 20 mil milhões para ajuda às PME, sob forma de capital adicional ou como reforço de carteiras de empréstimos. Não são bem “coronabonds” mas, tal como no caso do MEE (e até do BCE, com distintas natureza e aplicação), os efeitos não são muito diferentes.

Falta ainda mencionar as várias iniciativas da Comissão, como a flexibilização das ajudas de Estado, que será objeto de uma newsletter específica, a suspensão do Pacto de Estabilidade e Crescimento e em particular do limite do défice orçamental, recorrendo à “general escape law” prevista no referido Pacto e a criação de uma iniciativa de apoio direto à criação e manutenção de emprego – a “Response Investment Initiative”, dotada de 37 mil milhões de euros.

Tudo isto no plano económico. Além disso, naturalmente, a Comissão europeia trabalha com os Estados-membros na coordenação das políticas relacionadas com o mercado interno, em particular na livre circulação de mercadorias, serviços e capitais. E apoia o repatriamento de milhares de europeus.

Cumpre agora aos líderes europeus evitar a desintegração da UE, um extraordinário projeto de paz, solidariedade e prosperidade que, em parte por culpa própria, das suas instituições e decisores, em parte pela soma dos egoísmos nacionais e uma visão estritamente nacionalista dos seus políticos, está hoje em dia confrontada com uma ameaça real ao seu futuro.


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