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9 Abr 2020
COVID-19 e auxílios de Estado

Quadro Temporário de apoio à economia
Devido à pandemia de COVID-19, muitas empresas enfrentam desafios de liquidez e têm-se multiplicado as propostas de apoio por parte dos Estados-Membros. No entanto, conforme assinala a Comissão Europeia, os efeitos da COVID-19 não se farão sentir num só Estado-Membro e terão um impacto negativo na economia de toda a União.

Neste contexto, a Comissão aprovou, em 19 de março, o Quadro Temporário relativo a medidas de auxílio estatal em apoio da economia no atual contexto do surto de COVID-19 e já autorizou um número considerável de projetos de auxílio notificados pelos Estados-Membros, incluindo Portugal. Dada a dimensão limitada do orçamento da UE, a Comissão assinala que a principal resposta virá dos orçamentos nacionais. Para o efeito, atuará no sentido de permitir que os Estados-Membros retirem o máximo partido da flexibilidade das normas europeias em matéria de auxílios de Estado.

O Quadro Temporário diz particularmente respeito a auxílios concedidos com base no artigo 107.º, n.º 3, alínea b), TFUE, ou seja, que se destinem a sanar uma “perturbação grave” da economia de um Estado-Membro. No entanto, os Estados-Membros podem igualmente compensar, ao abrigo de outras disposições paralelas, as empresas em setores particularmente afetados (por exemplo, transportes, turismo, cultura, hotelaria, comércio a retalho ou organizadores de eventos) por prejuízos sofridos em consequência direta do surto.

O Quadro Temporário aplica-se em todos os setores da economia, com exceção dos serviços financeiros, a medidas de auxílio concedidas depois de 1 de fevereiro de 2020 e até 31 de dezembro do mesmo ano, com possibilidade de prorrogação.

A 3 de abril, o Quadro Temporário foi objeto de alteração (versão consolidada disponível aqui), de modo a abranger mais categorias de auxílios, sobretudo relacionadas com a necessidade de facilitar a investigação e o desenvolvimento (I&D) relevantes em matéria de COVID-19, de apoiar a construção e a modernização de instalações de ensaio de produtos para fazer face à pandemia bem como a criação de capacidades adicionais para a produção dos produtos necessários para dar resposta ao surto. Também estão previstas, nesta alteração, medidas de apoio ao emprego.

Assim, o Quadro Temporário abrange atualmente dez tipos de ajuda, incluindo, entre outros, subvenções diretas, benefícios fiscais, garantias, empréstimos a taxas de juro bonificadas, diferimentos do pagamento de impostos e de contribuições para a Segurança Social e subvenções salariais para os trabalhadores a fim de evitar lay-offs durante o surto de COVID-19.

Quanto aos diferimentos de impostos ou contribuições para a Segurança Social e subvenções salariais, importa referir que, se tais regimes de apoio se aplicarem a toda a economia, não serão abrangidos pelo controlo dos auxílios estatais. Caso proporcionem às empresas uma vantagem seletiva, o que pode acontecer quando se limitem a determinados setores, regiões ou tipos de empresas, configuram então regimes de auxílios na aceção do artigo 107.º, n.º 1, TFUE.

O Quadro Temporário permite, dentro dos limites nele previstos, que os Estados-Membros combinem diversas medidas de apoio entre si, com exceção de empréstimos e garantias para o mesmo empréstimo. Podem, além disso, os Estados-Membros conceder auxílios de minimis às empresas até 200 000 euros, repartidos ao longo de três exercícios financeiros. Deverão, não obstante, evitar o cúmulo indevido de medidas de apoio às mesmas empresas, limitando-as à satisfação de necessidades reais.

Uma característica importante deste quadro temporário é a sua flexibilidade, nomeadamente no que respeita ao procedimento de notificação, sendo a decisão tomada, por vezes, em 24 horas. Foi também disponibilizado um endereço de e-mail e um contacto telefónico (disponíveis aqui), através dos quais os Estados-Membros podem colocar questões e discutir as medidas equacionadas. Margrethe Vestager, Comissária europeia para a concorrência, afirmou a este respeito que a Comissão trabalhará o mais rapidamente possível, ao lado dos Estados-Membros, de forma a aprovar os regimes de auxílio de apoio às empresas.

Medidas de auxílio adotadas em Portugal
Em 22 de março, a Comissão autorizou quatro regimes de garantia portugueses no valor de 3 mil milhões de euros para micro, pequenas e médias empresas (PME) (nos termos da Recomendação da Comissão 2003/361/CE de 6 de Maio de 2003) e empresas de pequena-média e média capitalização (MidCaps) (Decreto-Lei n.º 81/2017, de 30 de junho) afetadas pelo surto de coronavírus (a decisão encontra-se aqui).

Os regimes de auxílio aprovados visam garantir que as empresas beneficiárias tenham liquidez suficiente para salvaguardar empregos e continuar as suas atividades e têm como destinatários os setores de atividade ligados ao turismo, à restauração e atividades similares e à indústria extrativa e transformadora, particularmente afetados pela pandemia.

Os potenciais beneficiários devem apresentar prova de que as suas atividades em março de 2020 e nos meses seguintes decresceram em resultado da COVID-19. Além disso, as empresas devem ter uma posição líquida positiva, não ser parte de qualquer incidente com bancos ou com o sistema de garantia mútua, ter a sua situação fiscal e de segurança social regularizada e assumir o compromisso de manter empregos.

No âmbito da concessão de auxílios sob a forma de diferimentos de impostos ou de contribuições para a segurança social, foi decidida a prorrogação do prazo de cumprimento de obrigações fiscais relativas ao IRC. Adicionalmente, permite-se o pagamento fracionado de impostos (IVA, IRS e IRC) para as empresas e trabalhadores independentes. Foi, além disso, suspensa a obrigação de pagamento da Taxa Social Única, prevista para 20 de março. Adicionalmente, foram adotadas algumas medidas de apoio ao emprego, a fim de evitar lay-offs durante o surto de COVID-19. Importa sublinhar que os diferimentos e subvenções salariais, na medida em que abranjam toda a economia, não estão sujeitos à obrigação de notificação à Comissão Europeia.

Em 4 de abril de 2020, a Comissão aprovou dois outros regimes de auxílios, com um orçamento total estimado em 13 mil milhões de euros, a saber: um regime de subvenções diretas e um regime de garantia estatal para os empréstimos de investimento e fundo de maneio concedidos pelos bancos comerciais (mais informação aqui). O apoio ao abrigo dos dois regimes será acessível às pequenas e médias empresas (PME) e às grandes empresas que enfrentem dificuldades devido ao surto de coronavírus e destina-se a ajudar as empresas a cobrir as suas necessidades imediatas em termos de fundo de maneio ou de investimento, assegurando a continuação das suas atividades.

Ontem, 8 de abril, a Comissão aprovou igualmente uma linha de crédito de 20 milhões de euros, com taxas de juro bonificadas, para apoiar PME portuguesas do setor das pescas e da aquicultura no contexto da pandemia de coronavírus (mais informação aqui).

Impacto e cautelas
À semelhança de todas as grandes crises, a pandemia COVID-19 é um teste à UE. Como pudemos expor em newsletters anteriores (ver aqui e aqui), uma parte das políticas que estão em causa nesta crise – no domínio da saúde, do trabalho, da educação – são sobretudo nacionais e a cooperação europeia é eminentemente intergovernamental, isto é, baseia-se no consenso entre os Estados-Membros.

No entanto, a Comissão (guardiã dos Tratados, a quem cabe proteger o interesse geral da UE) detém competências noutras áreas, nomeadamente, em matéria de controlo de auxílios de Estado. Neste âmbito e até à data, a Comissão já aprovou 40 regimes de auxílio (a lista atualizada de decisões encontra-se disponível aqui) em resposta ao surto de COVID-19.

Contudo, apesar de meritória e necessária, a flexibilização do quadro de auxílios e a resposta rápida e célere da Comissão aos projetos de auxílios notificados não são suficientes para fazer chegar uma resposta equivalente a todos os Estados-Membros, porque os auxílios de Estado dependem dos recursos próprios de cada um, que não são equivalentes. Desta forma, podemos acabar, no final, por encontrar verdadeiras distorções da concorrência causadas pelas políticas de cada Estado-Membro – exatamente o que o controlo dos auxílios de Estado pretende evitar.

A Comissão não é alheia a estas questões e, no próprio Quadro Temporário, defende a estreita cooperação das medidas nacionais, alertando para o risco de políticas desfasadas para a integridade do mercado interno e para a coesão da União. Ora, o Quadro Temporário visa, não só, permitir que as empresas europeias façam face a problemas de liquidez e possam subsistir, mas também proteger o mercado interno de situações de fragmentação. Recentemente, na conferência Concurrences Quarantine Webinar, organizada pela revista Concurrences, um responsável da Comissão Europeia reconheceu que a necessidade de conferir temporariamente maior flexibilidade às regras de auxílios de Estado pode gerar distorções de mercado, ao passo que uma maior rigidez do regime garantiria condições equitativas (“level playing field”) para as empresas dos vários Estados-Membros. O Quadro Temporário procurou assim encontrar um equilíbrio entre estas variáveis.

Neste âmbito, já se ouvem propostas no sentido de que a aprovação de auxílios de Estado deve ficar dependente de uma contribuição para apoiar empresas noutros Estados-Membros (ver aqui e aqui). É também por este motivo, entre outros, que a UE se preocupa em angariar fundos orientados para as empresas, como a Corona Response Investment Initiative (37 mil milhões para os sistemas de saúde, PME, trabalhadores e outros sectores afetados) ou a utilização do Fundo de Solidariedade da UE, permitindo aos Estados-Membros mais afetados pelo surto solicitar assistência financeira, no montante máximo de 800 milhões de euros (ver aqui).

Por fim, sublinhe-se a importância de as empresas verificarem que todas as ajudas recebidas por parte do Estado são conformes ao direito da UE. Efetivamente, salvo em casos excecionais, como os auxílios de minimis, os auxílios e regimes de auxílio de Estado devem ser notificados à Comissão, para que esta os declare compatíveis com o mercado interno, antes de postos em prática pelos Estados-Membros. Empresas beneficiárias de ajudas de Estado não notificadas poderão ver-se obrigadas a devolver os respetivos montantes, acrescidos de juros.


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